A
ciência perdeu nesta semana a mulher que ajudou a mostrar [ou teorizou a
respeito] como pessoas, árvores e outros seres vivos complexos são
criaturas híbridas, tão improváveis quanto centauros ou sereias.
Trata-se da bióloga americana Lynn Margulis, da Universidade de
Massachusetts em Amherst. Em comunicado oficial [...] a universidade
informa que Margulis morreu em casa, na última terça, aos 73 anos.
Durante toda a sua carreira científica, Margulis foi a principal
defensora da teoria da simbiogênese, a ideia de que grandes transições
da evolução envolveram a fusão de dois ou mais seres vivos completamente
diferentes - daí a analogia com centauros e sereias do parágrafo acima.
Parece uma maluquice, mas pistas de que isso realmente ocorreu começaram
a surgir quando cientistas verificaram que certas estruturas das
células possuem DNA próprio, distinto do material genético “principal”
que a célula guarda em seu núcleo.
Isso foi em meados do século passado, quando começou a ficar claro que o
DNA era a molécula da hereditariedade, ou seja, a substância
responsável por transmitir as características dos seres vivos de pais
para filhos. O DNA independente achado no interior das mitocôndrias (os
“pulmões” das células, responsáveis pela respiração celular) e dos
cloroplastos (estruturas das células vegetais que comandam a
fotossíntese) sugeria uma hereditariedade à parte. [O tom factual do
primeiro parágrafo agora muda para “sugestão”, depois de passar pela
palavra “ideia”.]
As coisas estavam nesse pé quando Margulis, nos anos 1960, propôs que a explicação mais provável era
uma fusão simbiótica. No passado remoto, dois micróbios totalmente
diferentes um do outro, com estrutura parecida com a das bactérias
atuais, teriam se fundido. Um deles passou a ser o que consideramos como
a célula “principal”, enquanto o outro passou a levar uma vida
semi-independente dentro da célula maior (o que seria o caso das
mitocôndrias e dos cloroplastos). [Curiosamente, não houve rejeição ou
destruição de um organismo pelo outro.]
Dessa forma, a célula maior ganharia a energia produzida pelos seus
novos parceiros internos, enquanto a menor ficaria mais protegida de
predadores microscópicos, por exemplo. Hoje, poucos biólogos discordam
da ideia, porque a comparação entre o DNA “normal” das células e o
encontrado nas mitocôndrias e cloroplastos mostrou que, de fato, eles
têm muito pouco a ver um com o outro. [A pouca discordância, como
sempre, limitou pesquisas/teorias que pudessem apontar outras
explicação/suposições para entender a diferença entre os DNAs.]
Mais importante ainda: o material genético dos dois lembra muito o de
certas bactérias (no caso dos cloroplastos, com o DNA de bactérias que
fazem fotossíntese). Margulis participou da elaboração de outra ideia
famosa, que também enfatiza a cooperação entre organismos: a hipótese
Gaia, que vê a Terra como um superorganismo. [A despeito da importância
dessa cientista, note que ela se notabilizou por propor
ideias/suposições.]
Ela foi a primeira mulher do célebre astrônomo e divulgador de ciência
Carl Sagan (1934-1996) e mãe de dois dos filhos do pesquisador.
(Jornal da Ciência; publicado originalmente na Folha de S. Paulo)
Nota: A Folha de S. Paulo omitiu intencionalmente o fato
de que Lynn Margulis, apesar de ser evolucionista, foi uma crítica
ferrenha da Síntese Evolutiva Moderna, e por razões científicas, não
filosóficas. Clique aqui para ler o que a Folha escondeu de seus leitores.[MB]
