No 21º fascículo quinzenal, o mais prestigioso e fleumático veículo da grande imprensa brasileira, Valor Econômico, afinal reconheceu que o Correio Braziliense
foi decisivo para criar uma imprensa livre no Brasil. Com cerca de 10
meses de atraso, as duas empresas jornalísticas que se associaram para
formar o mais importante diário econômico brasileiro (os grupos Globo e
Folha) admitiram que o Santo Ofício da Inquisição foi o principal
instrumento da monarquia absolutista portuguesa para barrar a circulação
de informações e ideias em seu território e colônias (ver “Pelos reis, com limites”).
A série “Jornais em Pauta”, conduzida com diligência pelo
jornalista-historiador Matías M. Molina, recusara até a quinzena
anterior a concessão do título de protojornalista e mencionou Hipólito
da Costa de raspão uma vez. Por que era um mau jornalista? Não: porque
era maçom e porque a maçonaria estava proibida pela igreja católica,
razão pela qual ele ficou preso três anos nos cárceres da Inquisição em
Lisboa.
A série sequer incluiu na galeria de grandes títulos da nossa imprensa o
primeiro veículo a circular sem censura em Portugal e colônias e, ao
contrário do que agora reconhece, chegou a afirmar que a censura imposta
à colônia ao longo de 308 anos foi obra exclusiva de uma monarquia
tirânica sem qualquer alusão à sua submissão ao poder religioso (tese
prontamente contestada por este observador: ver debate em “A Inquisição não existiu, é invenção dos leigos”, “Resposta a Alberto Dines” e “Embargo suspenso: a imprensa já pode discutir seu passado”).
Esta “batalha” poderia ter sido evitada, também os vexames produzidos
pela revelação de um voluntarismo grosseiro, para dizer o mínimo, na
tentativa de manipulação histórica. A mesma competência agora empregada
para registrar – embora tardiamente – o papel seminal de Hipólito da
Costa e do seu mensário na veloz modernização da colônia teria
contribuído para conferir à nossa imprensa o merecido diploma de
maturidade. E de credibilidade.
Em plena Era da Transparência, conseguimos o milagre de manter sob
embargo o bicentenário da instituição-símbolo da transparência. Enquanto
déspotas nos quatro cantos do mundo – inclusive na América Latina –
empenham-se em liquidar a imprensa, no Brasil ela se autoimolou negando a
sua história e, portanto, sua razão de ser.
A importância de 1808 na cronologia brasileira não advém da simples
transferência da corte portuguesa para a Bahia e depois para o Rio de
Janeiro; o fato produziu um extraordinário salto, materializado 14 anos
depois graças justamente à existência de uma imprensa libertada das
amarras da censura. Censura clerical, diga-se. Vencida por Hipólito da
Costa, acrescente-se.
“Ao Correio é atribuída uma importante participação na queda do
absolutismo e no advento das liberdades e instituições civis”, afirma Valor, citando o biógrafo de Hipólito, Carlos Rizzini.
“Hipólito José da Costa fez do seu Correio Braziliense uma voz vigorosa e influente a serviço de ideais éticos e do racionalismo político”, proclama o jornal no subtítulo da matéria.
Rasgada a mordaça que escondeu a evidência histórica e resgatada a
verdade, indispensável complementá-la lembrando que não foi acidental o
embargo às rememorações e comemorações relativas ao bicentenário da
fundação da nossa imprensa. O embargo foi imposto pela Grande Irmã, a
Associação Nacional de Jornais (ANJ), ou por alguma confraria que
utilizou indevidamente os seus canais. Tudo indica que tenha sido o Opus
Dei.
(Alberto Dines, Observatório da Imprensa)
