quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Oração: uma reflexão teológica

A teologia da oração deve examinar a natureza da oração e sua contribuição para a melhor compreensão de Deus e de nosso relacionamento com Ele. Isso nos deve levar primeiro a considerar os conceitos teológicos fundamentais da oração e então ver a oração como uma expressão teológica.
Fundamento teológico da oração
A oração ocorre no ambiente das crenças teológicas, embora raramente pensemos nessas crenças. Podemos, de forma conceitual, ter abraçado essas crenças, mas não as conectamos diretamente à oração. Aqui estão alguns desses conceitos.
A oração pressupõe o teísmo bíblico. A oração inicia com a afirmação de que há um Deus e de que nos podemos comunicar com Ele. Essa afirmação teológica imediatamente elimina o deísmo que diz que Deus é o Senhor ou Criador ausente que, depois de concluir Sua obra da criação, a abandonou. A teologia da oração também elimina o panteísmo que diz que Deus é concebido como um poder impessoal que permeia tudo, incluindo nós. Nesse sentido, a oração bíblica se distingue da meditação oriental que busca a integração com a consciência cósmica, enquanto a oração busca a comunhão com o Deus pessoal.
Visto que a doutrina bíblica de Deus é ímpar, a oração cristã é também ímpar de forma muito especial. Ela atua na compreensão Trinitária de Deus. Quando oramos, dirigimo-nos à Divindade com a convicção da fé de que cada uma dElas está ativamente envolvida conosco ao elevarmos nossa alma. O Espírito Santo ouve nossas débeis expressões e articula-as a fim de expressar a verdadeira intenção de nosso ser (Rm 8:26). Então o Filho faz a mediação diante do Pai, que é o objeto de nossa oração (Sl 5:2), e o Pai libera o poder de que necessitamos em resposta à nossa solicitação. Essa visão específica de Deus provê estrutura teológica da referência à oração.
A oração e a imanência de Deus. A pergunta da natureza da presença de Deus na Sua criação permanece teologicamente complexa. Os teólogos e filósofos têm discutido isso por séculos sem serem capazes de chegarem a uma compreensão comum. O panteísmo é um dos que tentam, mas é insatisfatório porque sacrifica a personalidade de Deus. O panteísmo também não satisfaz porque sua noção é de que Deus ainda não está aqui, é um participante no processo de se tornar. Contrária a essa visão, o Deus bíblico É! Ele é o “Eu Sou” (Ex 3:14). Não é apenas um Ser que existe por Si mesmo, Ele também está aqui conosco. Ele está tão perto que nos pode ouvir quando oramos (Dt 4:7; Sl 6:8, 9; Mt 6:6).
Em grande medida, o pensamento grego foi responsável por incorporar o conceito de um deus impassível e sem emoções na teologia cristã. Esse deus não nos pode ouvir porque está muito distante. Mas a oração opera na convicção teológica de que Deus está conosco, que Ele participa de nossas alegrias, tristezas e temores e de que Ele nos ouve quando invocamos Seu nome (Êx 3:7). Ele não é o deus misterioso dos filósofos, mas o Deus que está tão perto que podemos tocá-Lo com nossas orações e Ele pode cuidar de nós mediante Sua resposta amorosa.
A oração como comunhão com Deus. A comunhão e o companheirismo que temos com Deus são ímpares porque através deles mantemos diálogo exatamente com a origem e fonte de nossa vida. Sem dúvida, há uma profunda koinonia na oração. A fim de que o relacionamento seja real e significativo, as partes envolvidas devem ter um centro gravitacional comum que as une e as mantêm juntas por interesses e alvos em comum. A oração encontra seu centro gravitacional na pessoa de Cristo, em quem Deus esteve presente reconciliando o mundo consigo (2Co 5:17).
Mal compreendemos ou entendemos o que ocorre na mente e alma humanas quando, na oração, entramos em comunhão com Deus (cf. Tiago 5:19). Nesse encontro com Deus, mediante a oração, nossa mente se torna moral e espiritualmente renovada, com nosso ser nutrido e revigorado, somos capacitados a permanecer diante dEle para servi-Lo (Lc 22:32; At 6:4; 1Tm 2:8). O poder e a graça de Deus direta e pessoalmente nos alcançam mediante da oração. O publicano derramou sua alma ao Senhor e voltou para casa justificado diante de Deus, espiritualmente renovado e fortalecido (Lc 18:14; cf. 21:36). Foi durante a oração que Jesus foi transfigurado diante de alguns de Seus discípulos (Lucas 9:29). Às vezes, somos trazidos para tão perto do Senhor que experimentamos uma renovação até mesmo de nossa energia emocional e física (1Sm 1:10, 18; cf. 3Jo 3). O significado experimental de nossa comunhão com Deus mediante a oração é tão profundo que até o presente pouco conhecemos.
A oração e o amor de Deus em Cristo. A oração pressupõe que algo ocorre no nível cósmico que nos possibilita passar da inacessibilidade a Deus para o acessível. Temos aceitado, como uma realidade inquestionável que Deus, em Seu amor, Se manifestou na morte redentora e sacrifical de Seu Filho, tornando-Se acessível a nós. A condição da raça humana foi mudada de forma radical, graças ao que Cristo fez por nós. Não mais estamos alienados do templo celestial de Deus (1Re 8:49; Jo 2:7).
A oração e o conflito cósmico. Da perspectiva da igreja e da família celestial, oramos a Deus em um mundo de pecado e morte que não aceitou tampouco reconheceu a soberania de Deus. Nossas orações revelam ao universo e às forças do mal que ficamos do lado de Deus no conflito. Nesse ambiente conceitual e experimental, a oração pode ser descrita como um ato de rebelião contra as forças do mal. Quando oramos, testemunhamos o fato de que não nos submetemos às reivindicações do inimigo, que somente reconhecemos o senhorio de Cristo sobre nós como Criador e Redentor. Assim como Daniel, escolhemos orar publicamente, diante do universo, a fim de revelar onde está nossa verdadeira lealdade (Dn 6:11).
Mediante a oração, pedidos a Deus para manifestar Seu poder sobre as forças do mal que se opõem a nosso culto a Ele. Intercedemos por outras pessoas a fim de que o poder de Deus opere no benefício delas (Rm 15:31; cf. Cl 4:3; Hb 13:18, 19). Podemos orar porque sabemos que Cristo foi vitorioso sobre os poderes malignos e que Sua vitória é agora, pela fé, a nossa vitória. A oração não é uma cruzada contra o inimigo, mas a apropriação da vitória de Cristo sobre ele mediante a comunhão com nosso Salvador. Aproximamo-nos de Deus em oração, não porque tememos o inimigo, mas porque desejamos estar em comunhão com Deus que, através de Cristo, já derrotou o inimigo. Dessa comunhão com Ele, mediante o sangue de Cristo, vencemos ao nos apropriarmos de Sua vitória.
Expressão Teológica da Oração
Qual é a importância teológica da oração? Que contribuição a oração faz para nossa compreensão da obra gloriosa da salvação que Cristo alcançou para nós? A oração se torna objeto da reflexão teológica em conexão com a obra redentora de Cristo. A oração não pode estar separada da obra salvadora de Cristo. A oração não é simplesmente conversar com Deus, importante como seja, ela é também um ato religioso através do qual proclamamos nossa necessidade e constante confiança na obra redentora de Cristo em nosso favor. A oração é fundamentalmente uma representação das boas novas da salvação. Os elementos-chave do evangelho estão encarnados exatamente no ato e experiência da oração.
A oração e a necessidade. Em um sentido mais estreito, a oração bíblica parece ser motivada pela necessidade – temporal, emocional e espiritual. Certamente, a oração gira em torno da necessidade. A oração de louvor antecipa uma necessidade ou responde a uma necessidade que foi ou será satisfeita. Nas orações de ações de graça, expressamos gratidão pelas bênçãos de Deus mediante as quais nossas necessidades foram satisfeitas.
Tendo a necessidade como uma parte intrínseca de nosso ser, a oração nos convida a reavaliar nossa percepção pessoal e a reconhecer que, por natureza, estamos em constante necessidade. Necessitamos dos outros e necessitamos de uma abundância de outras coisas a fim de nos sentirmos realizados e de desenvolvermos o potencial que Deus nos confiou. Esse é, especialmente, o caso em um mundo de pecado e morte, no qual nosso ser está quase, se não sempre, ameaçado. Essa conscientização profunda de nossas necessidades nos leva a dobrarmos nossos joelhos diante do Pai em oração.
É aqui que a oração começa a revelar seus laços profundos com o evangelho da salvação através de Cristo. A obra de Cristo por nós pressupõe que os seres humanos estavam em desesperada necessidade de salvação. Essa era nossa necessidade máxima e derradeira. Toda outra necessidade é, em certo sentido, um tipo ou, talvez melhor, um sinal dessa necessidade mais importante, a reconciliação com Deus, profundamente escondida no coração humano. O pecado tende a entorpecer essa necessidade suprema da alma, enganando os pecadores e levando-os a concluírem que não necessitam orar porque não têm necessidades. Mas todos as temos. Todas as nossas necessidades podem ser satisfeitas porque a necessidade fundamental de redenção já foi provida. Por conseguinte, quando levamos nossas necessidades a Deus, estamos proclamando que a necessidade de nossa alma quanto à união com Deus já foi satisfeita em Cristo. A oração comemora essa experiência e mantém viva em nossa vida espiritual a conscientização de nossa constante necessidade e dependência da salvação mediante a fé em Cristo.
A oração e a autossuficiência. A oração elimina a autossuficiência e tem suas raízes na humilde compreensão de que não temos conhecimento, poder e até mesmo disposição para suprir nossas necessidades pessoais. A oração afirma que quando se trata da nossa realização pessoal, somos impotentes, incapazes de controlar a criação e nossa vida. Não somos autossuficientes. Sem essa convicção de insuficiência, a oração se torna quase irrelevante.
Essa convicção repousa não apenas na base de nossas orações, mas especialmente no âmago do evangelho. Este pulveriza nossas reivindicações de autossuficiência, ele nos torna submissos e lança ao chão nosso ego inflado. O evangelho nos ilumina, permitindo-nos perceber nossa verdadeira condição não apenas como criaturas necessitadas, mas especialmente como seres incapazes de ajudarem a si mesmos. Nossa incapacidade de solucionar nossas necessidades nos leva a orarmos e vermos nossa total insuficiência quando pela primeira vez confrontados com o evangelho da salvação em Cristo.
A oração e a autossuficiência de Deus. A oração se baseia na convicção de que Deus prevalece como o Único que pode satisfazer as nossas necessidades. De acordo com a Bíblia, aqueles que oram fazem uma significativa descoberta da suficiência de Deus. Assim sendo, com Deus como o único objeto de nossas orações, Ele se torna nosso Companheiro de diálogo. Portanto, oramos como um ato de culto mediante o qual expressamos a maravilhosa convicção de que o Deus Todo-Suficiente supera nossas insuficiências. Por conseguinte, não necessitamos oferecer orações aos poderes espirituais que competem por nosso culto. A oração cristã proclama que somente Deus pode satisfazer amplamente todas as nossas necessidades.
O evangelho enfatiza, de forma ímpar, o fato surpreendente de que somente Deus nos pode tirar da condição de necessidade, de apuro e impotência. Quando oramos, não apenas reconhecemos Deus como o Único que pode suprir nossas necessidades, mas também afirmamos que Ele proveu nosso livramento dos poderes do pecado e da morte, muito antes que Lho pedíssemos. Ele fez abundante provisão para nós (Rm 5:21).
Oração e meditação. Cristo nos ensinou de forma ímpar o valor da oração, visto que pessoalmente mantinha constante comunhão com o Pai por meio dela. Ele sabia que o pecado nos havia alienado de Deus, mas também sabia que o Pai desejava ter a nossa companhia. Ele anunciou que em Sua própria pessoa um canal de comunicação fora criado para fazer a ligação entre nós e Deus (Jo 16:23; cf. 14:13, 14). A mediação do Filho não pressupõe a indisposição da parte do Pai de nos ouvir. Antes, assume uma disposição divina de manter tão intensa comunhão conosco que criou um meio pelo qual pudesse nos ouvir, a despeito de nosso pecado (Sl 69:13; 4:1). Como nosso Sumo Sacerdote, Cristo Se identifica com nossas necessidades e alegrias e imbui nossas orações com a eficácia celestial.
Sempre que oramos no nome de Jesus, reafirmamos nosso compromisso para com as boas novas da salvação mediante a mediação do Filho. Foi por meio de Sua morte sacrifical na cruz que Deus mediou a nós Seu amor reconciliador. O mistério dessa transação demasiadamente profunda é comemorado no ato da oração, onde constantemente reconhecemos que Ele “vive sempre para interceder” por nós (Hb 7:25, NVI).
A oração e a vontade de Deus. Quando oramos, pode haver conflito de vontades. Aquilo que acreditamos necessitar e o que Deus sabe que necessitamos pode nem sempre coincidir. Por conseguinte, Jesus nos ensinou a orar: “[…] seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.” (Mt 6:10, NVI). Essa dimensão da oração desvela o mistério da assim chamada “oração não atendida”. Nos pedidos que não são atendidos exatamente da forma como desejávamos, o Senhor nos está revelando que mesmo em Seu diálogo conosco Ele segue sendo o Soberano Senhor. A forma bíblica de resolver um possível conflito de vontades na experienciai da oração é para que a vontade humana se curve diante da vontade de Deus para nós. A oração da fé é caracterizada não apenas pela firme convicção de que Deus sempre ouve as nossas orações, mas também pela convicção igualmente importante de que a vontade de Deus sempre busca nosso melhor bem.
Nesse ato de ajustar e até mesmo renunciar às nossas expectativas e planos diante da vontade de Deus quando oramos, estamos simplesmente lembrando o momento quando entregamos nossa vontade a Ele mediante o arrependimento, confissão e conversão. A partir desse momento, começamos a caminhar em novidade de vida, de acordo com a vontade de Deus para nós. Submetemo-nos a Ele porque, mediante a obra do Espírito em nosso coração, somos totalmente persuadidos de que Sua vontade para nós sempre foi boa. Ao submeter nossa vontade, a oração e o evangelho se cruzam.
Oração como uma resposta. A oração inclui não apenas falar com Deus, mas também proclamar nossa dependência dEle, como uma resposta de nosso amor para com o ato salvador em Cristo. Por conseguinte, a oração não é apenas pedir, mas também louvar, agradecer, invocar Deus por Sua bondade, lealdade e misericórdias para conosco. Mas, de forma bem específica, o evangelho e a oração se unem quando dobramos nossos joelhos e pedimos perdão. Esse é o alvo do evangelho, porque nesse momento o orgulho humano sucumbe e estamos prontos para recebermos do Senhor o que realmente necessitamos – perdão dos pecados. Cada oração é o eco vivo desse momento.
A oração se expressa como resposta às amorosas misericórdias de Deus, como nossa resposta a Deus não restrita apenas à nossa mente. A mente e a razão, nossas emoções e nosso corpo, tudo estão envolvidos na oração e, através de cada um desses aspectos de nosso ser, a oração se mostra como resposta à presença e bondade de Deus.
Conclusão
A oração integra a teologia e a prática da devoção pessoal a Deus de forma que, talvez, nenhum outro ato de culto o pode fazer. Estruturada em alguns tópicos profundamente teológicos na teologia cristã, ela representa nosso primeiro encontro com as boas novas da salvação em Cristo. A oração é essencialmente uma proclamação desse evangelho, uma incorporação ritual dela no ato de adoração ao Senhor.
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Ángel Manuel Rodríguez