Não pense que John Maxwell Cohn, cientista-chefe de design e
automação de chips da IBM, se incomoda quando alguém lhe chama de
professor aloprado ou dr. Brown, o inventor da máquina do tempo da
trilogia “De Volta Para o Futuro”. Ao contrário. O americano de 52 anos
adora o contraste entre sua sólida biografia de pesquisador e uma longa
lista de experimentos inusitados. Formado em engenharia elétrica pelo
MIT e Ph.D pela Carnegie Mellon University, Cohn tem 50 patentes
registradas ou em processo, supervisiona a criação de processadores
usados nos computadores mais rápidos do mundo e ostenta o título de IBM
Fellow, uma honraria criada para os funcionários de destaque na IBM e
conferida a apenas 218 ibemistas desde 1963. [...]
Nos últimos tempos, o cientista maluco da IBM tem se dedicado a um dos
projetos mais desafiadores da sua vida: a criação de um processador que
simula o funcionamento do cérebro humano. “A computação cognitiva propõe
o uso de redes neurais com bilhões de processadores extremamente
simples, capazes de imitar o cérebro em tarefas que podem ser feitas
melhor por meio do aprendizado do que do cálculo”, disse Cohn à Info.
Batizado de SyNAPSE (sigla em inglês que forma a palavra sinapse, região
de comunicação entre os neurônios), o projeto conta com a participação
de universidades conceituadas e consumiu 21 milhões de dólares
investidos pela agência de pesquisa para projetos de defesa dos Estados
Unidos, a Darpa. Entre os integrantes da equipe do projeto, o sentimento
é o de reinventar a roda. Maluquice? Nem tanto. Em agosto, foram
apresentados os dois primeiros chips com o conceito de computação
cognitiva criados nos laboratórios do SyNAPSE.
“O modelo aritmético dos computadores que usamos hoje é o mesmo desde os
anos 1940”, afirma Cohn. O cientista defende que a nova tecnologia
precisará abandonar esses pilares do modelo digital, com decisões
binárias e uma arquitetura de hardware criada em 1945 pelo pesquisador
John von Neumann.
No modelo de computação baseado nas teorias de Neumann, o processador e a
memória ficam separados e interagem por meio de um barramento,
dispositivo que funciona como uma espécie de cano. Não raro, esse
mecanismo entope pelo excesso de dados ou sofre interrupções por causa
da temperatura do hardware ou por limitação de velocidade. O cérebro
humano, por sua vez, tem seus bilhões de dispositivos de processamento,
os neurônios, juntos das trilhões de sinapses, responsáveis pelo
aprendizado e memorização. Assim, a troca de informações é feita em
todas as direções, com velocidades variadas e a possibilidade de poupar
áreas que não estão sendo usadas. “Computadores são bons com números e
com a execução de ordens, como o lado esquerdo do cérebro, mas péssimos
em tarefas de reconhecimento de face ou de objetos, como faz o lado
direito do cérebro”, diz o cientista.
Fazer com que os processadores dos computadores imitem o funcionamento
do cérebro pode revolucionar o modo como as máquinas interpretam e
reagem ao feedback analógico de sensores. A computação cognitiva pode ser usada em aplicações como carros que dispensam os motoristas, por exemplo.
O cérebro digital seria capaz de usar melhor sua capacidade de
processamento, lidando com várias tarefas simultâneas e usando menos
poder de fogo. Isso faria despencar o consumo de energia e o espaço para
armazenamento. No lugar de núcleos com gigahertz e muita sede por
energia, como os vistos nos chips de hoje, haveria um conjunto com
milhões de processadores primitivos de baixíssimo consumo.
Além disso, as máquinas seriam capazes de aprender com cada situação e
lembrar-se da solução dada para cada problema. “Trabalhos que envolvem o
reconhecimento de rostos, a detecção de alimentos estragados e a
previsão de tragédias meteorológicas são exemplos de uso possível das
máquinas pensantes”, afirma Cohn.
O futuro dos computadores capazes de raciocinar parece brilhante, mas
ainda há um longo caminho a percorrer. Na demonstração do novo chip da
IBM, há dois meses, os dois protótipos só conseguiam realizar tarefas
bem simples. Um deles jogava o jurássico Pong, o primeiro videogame da
história, contra os cientistas. O outro reconhecia o número sete escrito
à mão por voluntários em uma tela sensível ao toque. Mas o conceito vem
evoluindo.
“Em 2009, por meio de supercomputadores, simulamos o córtex de um gato,
depois conseguimos um modelo funcional que tem o tamanho equivalente ao
cérebro inteiro de um camundongo”, disse Cohn. “A meta é, no futuro, ter
uma máquina que simule o córtex humano.”
O desafio do SyNAPSE é transpor uma barreira tecnológica. Os chips de
silício são feitos sob medida para simular alguns milhares de neurônios,
enquanto transistores de 45 nanômetros fazem o papel de sinapses. É
pouco. O cérebro humano tem algo em torno de 85 bilhões de neurônios e
trilhões de sinapses.
Crítico do projeto da IBM, Richard Walker, pesquisador do Human Brain
Project, da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça, diz que
faltam peças para o entendimento completo dos mecanismos do cérebro. “O
que estão fazendo é como desmontar um carro e tentar descobrir como cada
peça funciona, para depois montar outro modelo parecido”, afirma
Walker.
John Cohn diz que em cinco anos veremos os primeiros usos comerciais
dessa tecnologia. Ainda é cedo para dizer que o projeto criará máquinas
pensantes, mas as pesquisas em computação cognitiva são de grande
importância para conhecer melhor o funcionamento do cérebro. No futuro,
além de aprender, as máquinas serão capazes de ensinar. E, se tudo der
certo, o currículo de Cohn vai ganhar mais uma invenção maluca.
(Info)
Comentário do leitor e colaborador Valter Baiecijo: “Gostei desta
frase: ‘a criação de um processador que simula o funcionamento do
cérebro humano’. Ou seja, o processador é criado; o cérebro não! O
processador tem projeto; o cérebro não! O processador tem tecnologia; o
cérebro não! O processador é uma imitação; o cérebro não!”
