Um
dos mais queridos princípios da ciência - a constância das leis da
física - pode não ser verdadeiro. Um estudo publicado na mais
conceituada revista de física, a Physical Review Letters, afirma
que as leis da natureza podem variar ao longo do Universo. O estudo
concluiu que uma das quatro forças fundamentais, o eletromagnetismo,
parece variar de um lugar para outro. O eletromagnetismo é medido por
meio da chamada constante de estrutura fina, simbolizada pela letra
grega alfa (α). Essa constante é uma combinação de três outras
constantes: a velocidade da luz (c), a carga do elétron (e) e a
constante de Planck (h), onde α = e2/hc. O resultado é cerca de 1/137,
um número sem dimensão, o que a torna ainda mais fundamental do que as
outras constantes, como a gravidade, a velocidade da luz ou a carga do
elétron. Em termos gerais, a constante alfa mede a magnitude da força
eletromagnética - em outras palavras, a intensidade das interações entre
a luz e a matéria.
Agora, John Webb e seus colegas das universidades de Nova Gales do Sul e
Swinburne, na Austrália, e Cambridge, no Reino Unido, mediram o valor
de alfa em cerca de 300 galáxias distantes, usando dados do Very Large
Telescope do ESO, no Chile. “Os resultados nos deixaram estupefatos”,
disse o professor Webb. “Em uma direção, a partir de nossa localização
no Universo, a constante alfa vai ficando gradualmente mais fraca, e
gradualmente mais forte na direção oposta.”
Isso mostra uma espécie de “eixo preferencial” para o Universo - chamado
pelos cientistas de “dipolo australiano” - de certa forma coincidente
com medições anteriores que deram origem à teoria do chamado Fluxo
Escuro, que indica que uma parte da matéria do nosso Universo estaria
vazando por uma espécie de “ralo cósmico”, sugada por alguma estrutura
de um outro universo.
“A descoberta, se confirmada, terá profundas implicações para o nosso
entendimento do espaço e do tempo, e viola um dos princípios
fundamentais da teoria da Relatividade Geral de Einstein”, completou
Webb, referindo-se ao princípio da equivalência de Einstein.
O resultado não é uma completa surpresa: as conclusões haviam sido
anunciadas pela equipe em 2010. Naquele momento, porém, o estudo ainda
não havia sido publicado em uma revista revisada pelos pares - tanta
demora para que outros cientistas analisassem o estudo é uma indicação
bem clara do impacto que os resultados podem ter sobre todo o edifício
científico estabelecido.
O Dr. Webb e seus colegas vêm trabalhando no assunto há muito mais
tempo. Seus primeiros resultados vieram em 1999, mas eram baseados em um
número menor de galáxias, de uma região mais restrita do céu. Uma das
implicações dessas “constantes inconstantes” é que o Universo pode ser
infinito.
“Essas violações são de fato esperadas por algumas ‘teorias de tudo’,
que tentam unificar todas as forças fundamentais. Uma alteração suave e
contínua de alfa pode implicar que o Universo seja muito maior do que a
parte dele que conseguimos observar, possivelmente infinito”, propõe o
Dr. Victor Flambaum, coautor do estudo.
Outra possibilidade derivada dessa variação na constante alfa é a
existência de multiversos, múltiplos universos que podem, de alguma
forma, “tocar-se” uns aos outros.
O professor Webb afirma que essa descoberta também pode dar uma resposta
muito natural para uma questão que tem intrigado os cientistas há
décadas: Por que as leis da física parecem tão bem ajustadas para a
existência da vida?
“A resposta pode ser que outras regiões do Universo não são tão
favoráveis à vida como nós a conhecemos, e que as leis da física que
medimos em nossa parte do Universo são meramente ‘regras locais’. Nesse
caso, não seria uma surpresa encontrar a vida aqui”, afirma o cientista.
Isso porque basta uma pequena variação nas leis da física para que, por
exemplo, as estrelas deixem de produzir carbono, o elemento básico da
“vida como a conhecemos”.
Para chegar às suas conclusões, os cientistas usaram a luz de quasares
muito distantes como faróis. O espectro da luz que chega até nós, vinda
de cada quasar, traz consigo sinais dos átomos nas nuvens de gás que a
luz atravessou em seu caminho até a Terra. Isso porque uma parte da luz é
absorvida por esses átomos, em comprimentos de onda específicos que
revelam a identidade desses átomos - de quais elementos eles são. Essas
“assinaturas espectrais”, chamadas linhas de absorção, são então
comparadas com as mesmas assinaturas encontradas em laboratório aqui na
Terra para ver se a constante alfa é mesmo constante. Os resultados
mostraram que não, que alfa varia ao longo de um eixo que parece
atravessar o Universo, assim como um eixo magnético atravessa a Terra.
Quanto ao espanto causado pelos resultados, o Dr. Webb afirma que as
chamadas leis da física não estão “escritas na pedra”. “O que nós
entendemos por ‘leis da natureza’? A frase evoca um conjunto de regras
divinas e imutáveis que transcenderiam o ‘aqui e agora’ para se aplicar
em todos os lugares e em todos os tempos no Universo. A realidade não é
tão grandiosa.
“Quando nos referimos às leis da natureza, estamos na verdade falando de
um determinado conjunto de ideias que são marcantes na sua
simplicidade, que parecem ser universais e que têm sido verificadas por
experimentos. Portanto, somos nós, seres humanos, que declaramos que uma
teoria científica é uma lei da natureza. E os seres humanos
frequentemente estão errados”, escreveu ele em um artigo na revista
Physics World. [O que seria do darwinismo se essa mesma conclusão fosse
aplicada a ele? Mas com Darwin ninguém mexe!]
Reação muito semelhante teve um dos pesquisadores responsáveis pelo
recente experimento que teria identificado neutrinos viajando a
velocidades superiores à da luz, outro achado que contraria as atuais
leis da física. Ao falar sobre a controvérsia e as inúmeras tentativas
de dar outras explicações para os resultados, o Dr. Sergio Bertolucci
afirmou que “um experimentalista tem que provar que uma medição está
certa ou está errada. Se você interpretar cada nova medição com as
velhas teorias, você nunca terá uma nova teoria”.
E como os cientistas poderão ter certeza de que é hora de investir em
uma nova teoria? Se há variação em uma das constantes, é de se esperar
que as outras constantes fundamentais também variem. Tudo o que eles
terão que fazer será projetar experimentos que possam verificar
variações na gravidade, na carga do elétron ou na velocidade da luz.
(Inovação Tecnológica)
Nota: Apenas uma pergunta, enquanto aguardamos novos dados e
conclusões dos cientistas nessa área ainda tão nebulosa da física: Se as
leis podem variar em setores diferentes do Universo, o que garante que
estejam corretas nossas medições e observações da luz que vem de regiões
tão distantes? Por que devo confiar na “assinatura espectral” de um
quasar que pode estar numa região do cosmo regida por leis diferentes?
Essas leis não poderiam alterar essa assinatura? Minhas perguntas podem
não fazer sentido algum. Mesmo assim, prefiro aguardar mais pesquisas
antes de abraçar a teoria do Universo eterno, que considero muito
improvável e parece de molde a negar o teísmo bíblico. Enquanto isso,
aproveitei para consultar uma fonte especializada, o Dr. Eduardo F. Lütz.
Ele é astrofísico nuclear, lecionou Matemática, Física e Informática em
várias instituições e atualmente ocupa a maior parte de seu tempo
desenvolvendo tecnologias de software para a Hewlett-Packard (HP). Leia a
resposta dele abaixo [MB].
“O artigo acima menciona dois bons exemplos de como conceitos
filosóficos confusos estão prejudicando o entendimento que muitos
físicos têm de coisas que lhes deveriam parecer até banais. Vejamos
primeiro o problema dos neutrinos mais rápidos do que a luz. Segundo
alguns, se confirmado, esse fenômeno violaria leis conhecidas
(relatividade) e exigiria uma reformulação. Mas essa concepção é falsa.
Nada há na Teoria da Relatividade que proíba partículas de viajarem mais
rápido do que a luz. Tenho uma coletânea de artigos da década de 1970
mostrando isso matematicamente. De fato, a possível existência de
táquions (partículas mais velozes do que a luz) foi prevista como
possibilidade teórica a partir da Relatividade.
“Qual é, então, o motivo da confusão? Assim como ocorre entre biólogos,
circulam entre os físicos algumas falácias que tendem a ser aceitas como
verdade. Uma delas é um argumento falacioso que conclui que é
impossível transmitir um sinal contendo informação que possa viajar mais
rápido do que a luz. A ideia básica é a seguinte:
“1. Consideremos dois eventos A e B que ocorrem a certa distância um do
outro e que ocorrem simultaneamente na perspectiva de algum observador.
Pode-se demonstrar que existem observadores para os quais A ocorre antes
de B e também observadores para os quais B ocorre antes de A. A
simultaneidade não é absoluta (tudo isso é verdade).
“2. Se um sinal viaja do ponto P1 até o ponto P2 mais rápido do que a
luz, então, para algum observador, o sinal chega a P2 antes de ter saído
de P1 (verdade).
“3. Se o sinal for refletido em P2 e retornar a P1 mais rápido do que a
luz, então, para algum observador, o sinal chegará a P1 antes de ter
sido refletido em P2 (verdade).
“4. Portanto, para algum observador, o sinal refletido chega a P1 antes
de haver sido emitido, de forma que o emissor, ao receber o sinal antes
de emiti-lo, pode decidir não o fazer, o que geraria uma contradição
(muitos erros neste item). Portanto, nenhuma partícula capaz de carregar
informação pode viajar mais rápido do que a luz (falso).
“A argumentação falaciosa está em 4. O certo é que, segundo a
Relatividade, todos os observadores concordarão que o sinal voltará a P1
depois de ter partido, mesmo viajando mais rápido do que a luz. A
falácia consiste em imaginar que existe um observador que percebe tanto o
fenômeno 2 quanto o 3, o que não é verdade.
“Essa falácia pode ser encontrada em livros-texto de Relatividade.
Porém, basta ao estudante utilizar os métodos matemáticos descritos
nesses mesmos livros para perceber a falácia. Essa é uma das boas razões
para usarmos cuidadosamente métodos matemáticos para conferir a
consistência de ideias. E é uma das razões pelas quais teorias que não
apresentam uma estrutura matemática explícita jamais deveriam ser
consideradas científicas, pois teorias não formais contêm um excesso de
esconderijos possíveis para falácias. Teorias realmente científicas
podem ser mais facilmente depuradas por qualquer pessoa com suficiente
conhecimento.
“O que então precisa ser reformulado se for confirmado que os neutrinos
realmente viajam mais rápido do que a luz? Somente o conhecimento (ou a
falta dele) que alguns físicos possuem sobre conceitos básicos de
Física.
“Vejamos o segundo problema. Encontraram-se evidências de que a
‘constante’ de estrutura fina não é constante, parecendo ter valores
ligeiramente diferentes em diferentes pontos do Universo (ok). Portanto,
as leis físicas não são as mesmas em toda parte (falso). Uma das
cadeiras que lecionei foi Equações Diferenciais. Se algum dos meus
alunos dissesse uma coisa dessas no fim do semestre, estaria correndo
sério risco de reprovação, pois estaria confuso a respeito de conceitos
elementares. Felizmente, não tive caso algum assim. Admira-me ver
físicos ‘adultos’ com esse tipo de ideia.
“Vou tentar esclarecer com um exemplo. Imaginemos uma corda de violão.
Queremos estudar a propagação de ondas nessa corda. Usamos dois
conjuntos de informações para isso: (1) a lei de propagação de ondas
(algo universal, independente da corda); (2) informações específicas
sobre a corda: densidade, tensão...; e também condições de contorno e
condições iniciais.
“Suponhamos que, para calcular a densidade, tenhamos medido a massa da
corda e seu comprimento e calculado a razão dessas duas medidas. Usamos
agora os dados para que a lei que rege as ondas nos forneça detalhes
sobre o comportamento da corda a partir do instante inicial. Nesse
momento, temos um modelo matemático do comportamento da corda. A lei que
rege a propagação de ondas é representada por uma equação diferencial.
Parâmetros como a densidade e a tensão da corda definem o valor de um
coeficiente que aparece nessa equação.
“O que acontece se descobrirmos que a corda não é homogênea, mas que sua
densidade varia ligeiramente ao longo do seu comprimento? Isso nos
mostraria que o modelo que estávamos usando (lei + constantes)
precisaria de uma reformulação para ficar mais preciso (era uma boa
aproximação antes, mas pode melhorar).
“Por outro lado, se alguém disser que a lei que rege as ondas varia ao
longo da corda, estará dizendo um disparate, pois a lei básica continua
sendo exatamente a mesma (mesma equação diferencial), mas os detalhes
sobre a corda precisam ser revistos. Em particular, um coeficiente que
aparece na equação deixa de ser constante neste exemplo e passa a ser
uma função da posição. O resultado pode ser entendido como uma nova
equação diferencial regendo a corda, mas a equação básica que a gerou
permanece a mesma.
“O mesmo se dá com variações de ‘constantes’. As leis básicas continuam
exatamente as mesmas, porém, mais detalhes sobre a estrutura do Universo
vão sendo descobertos aos poucos, o que afeta a forma como aplicamos as
leis ao sistema para entendê-lo.
“Além disso, a humanidade ainda não conhece em profundidade todas as
leis físicas, mas já teria condições de saber o suficiente sobre algumas
delas para não confundir grandezas com leis.
“Dizendo isso de outra maneira, o conhecimento atual da humanidade em
termos de Física ainda é bastante limitado, porém, é muito mais
confiável do que parece diante da confusão filosófica que parece dominar
a mente de muitos físicos.”
